sábado, 28 de janeiro de 2012

A avestruz dos ovos de ouro


Pode uma avestruz, daquelas de bico assanhado, ser um bicho amigo? Claro que pode. Esta avestruz pôs um ovo do tamanho de uma sala com máquinas para aliviar os putos que sofrem de problemas de peito. Assim, daqueles atreitos a pneumonias, catarro e bronquiolite – com barulho de gatos à mistura a arranhar a pleura.


A avestruz, a quem eu chamo de galinha por ser mais simples, juntou 600 mil euros e esta semana foi ao Fernando Fonseca distribuí-los por 22 projectos de igual número de hospitais. O bicho, está bom de ver para quem se familiarizou com estas questões da responsabilidade social, dá pelo nome de Leopoldina, tem pronúncia do Norte e é produto de criação daquele empresário que faz os deputados levantarem-se às sete da manhã, para o ouvir às oito.


O Fernando Fonseca habituou-se a apresentar projectos que merecem a atenção da galinha…, perdão, da avestruz!


O ano passado conseguiu obter uma ret cam que lhe vai permitir fazer o rastreio da retinopatia da prematuridade – uma cabra de uma doença que leva os bebés prematuros à cegueira.  Sendo o hospital e uma das suas médicas quem consegue operar miúdos que pesam pouco mais de um quilo, o que acontecia era que, por rastreio tardio, muitos reguilas já chegavam a nós praticamente cegos. E cegavam depois – fazendo parte dos que comungam a doença do Steve Wonder (também ele vítima de retinopatia).


Agora é suposto que os que resolveram nascer antes de tempo no Sul e Ilhas não tenham mais “razão” para deixar que os olhos se tapem com uma lamela estranha, tipo estore, que lhes nasce na base do olho e só pára de crescer quando fez a asneira tamanha de os deixar sem ver para o resto da vida.


Desta vez, tratados os males do olhos, os médicos de Pediatria resolveram tomar conta dos pulmões dos mais pequeninos. Já se sabe que os miúdos, por ali, nascem cada vez mais antes de tempo. Se as incubadoras são 30, estão lotadas. Se são 40, lotadas estão. (Se eles soubessem os males da troika não se apressavam a nascer antes de tempo. Mas como não sabem é vê-los, a partir das 33 semanas, a esfrangalharem os quadris às mães e a porem-se cá fora). Ora, por nascerem antes de tempo, os pulmões são menos capazes de aguentar o ataque sorrateiro dos bichos que se passeiam pelas enfermarias do Fernando Fonseca.


É isso que a Pediatria do Fernando Fonseca quer prevenir e tratar. Agarrar nos mais pequenos a quem os pulmões querem tramar e dar-lhes uma força tamanha que não haverá gripe, pneumonia ou bronquiolite que se lhes agarre e os afaste da vida. E, aí, bem podem eles esfrangalhar os quadris das mães que uma vez cá fora há-de estar uma bateria de vacinas, ar saturado e puro – já com a troika a milhas – e as mãos dos anjos da guarda que apresentam projectos de tamanha validade que até convencem avestruzes.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Fui à missa e não gostei (se calhar, não era para gostar)


Não quero falar muito neste assunto mas fui à missa para ouvir o sacerdote invocar que celebrava a eucaristia em memória de uma pessoa boa que saiu do meu convívio. O que a seguir se escreve não pretende ser jocoso. Antes verdadeiro.

Fui à missa e senti-me à margem

Já passavam das 18 quando o padre, um diácono e dois miúdos com não mais de 16 anos saíram de um dos lados da nave principal da Igreja. O espaço dos bancos corridos estava completo e as pessoas meteram-se todas de pé enquanto quatro, cinco vozes metalizadas num esforço de fiéis de mais de 50 anos, cantaram algo que a minha ignorância não soube acompanhar. Percebi, pela sucessão de acontecimentos – gente de pé, o padre a levar um crucifixo na mão, o diácono e os miúdos de mãos cruzadas e com um ar pesaroso e a olhar para o chão a caminho do altar – que esta era a mis en scéne que dava início à missa. Perdoe-se-me a comparação: era o pontapé de saída da celebração eucarística.
A partir daí foi uma sucessão de factos estranhos que, católico não praticante, ficam aquém daquilo que é o meu conhecimento de missas.
As quatro alminhas de mais de cinquenta anos, apenas uma delas homem, cantaram em falsete. E cantaram, e cantaram, e cantaram. Cantaram até ferir os ouvidos de quem, por não saber as letras, nunca acompanhou a cantilena. Quanto muito, conseguiu-se fazer aquele gesto mímico tão habitual quando se quer acompanhar uma qualquer cantoria: se a estrofe acabava em sensação, dizia-se “ão”, se era “crucificado” que terminava o verso, balbuciava-se “ado”, quando o coro dizia, em remate, “aos fiéis”, apenas um gesto vocal permitia ouvir “é-éis”.
É normal que assim seja. Não faz parte das obrigações de bom chefe de família temente a Deus, conhecer as músicas e as canções de cor.
As coisas complicam-se quando orações conhecidas desde miúdo são motivo para cantoria. “Pai Nosso…. Pai Nosso…. Que estais/ que estais noooooooooooo cééééééuuuuuuu!”. Assim! Com a repetição da primeira invocação, aqui primeiro verso da cantiga, o prolongamento à exaustão da palavra “no” e um grito a perder de vista, daqueles que feria os ouvidos e nunca mais acabava, quando se cantou o Céu. Ficou uma coisa esquisita e desafinada. E quem ali estava para rezar de forma corrida, “Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome….”, chegou ao fim da oração, à parte do “mas livrai-nos do mal” e ainda o quinteto estava a gritar com as veias do pescoço salientes para quem as quisesse ver a pedir para o Pai perdoar “as no-ó-oó-oó-sssaaaaaaaaas ofe-en-ensas”, com inflexões vocais que desatinavam.
Acabada de estragar a Oração Suprema, admito que pensei que as coisas se ficassem por ali. Mas não.
À minha frente, um puto não mais de ano e meio, espojava-se pelo chão e berrava a plenos pulmões. Às seis e meia da tarde devia estar a reclamar mama. Do lado de onde saiu o padre, o diácono e os dois miúdos – que passaram o tempo de mãos cruzadas sob um manto de mangas largas e que sempre que levantavam, viravam as costas para os fiéis e cumprimentavam o padre com uma vénia tipo chinês antes de combate de Muai-Tai – uma reguila para aí de quatro anos, ria, fugia ao pai, corria pela igreja, escondia-se entre a senhora ajoelhada e o homem com sinais evidentes de um AVC ou tremeliques de Parkinson.
Quando metade da Igreja se levantou para tomar a hóstia, com o pesar e o decoro da meditação que o corpo de Cristo justifica, um homem deixou o telemóvel tocar uma música parecida com o toque de chamada dos bois numa tourada e, discretamente carregou num botão que não terá sido o mais indicado uma vez que o toque terminou, é verdade, mas passou a ouvir-se um “tou!, tou!. E porque ninguém respondesse, o “tou!” era já de pessoa zangada, entretanto desligada pelo dono do telemóvel – que nunca o tirou do bolso.
Estava o padre a ler qualquer coisa sobre o facto de se “ver o mundo cada vez pior, pelas televisões, tv’s e internet” (foi assim que ele disse), algo que ele já tinha falado na semana anterior (também tinha por lá passado), e uma senhora e quatro senhores levantaram-se e com cestinhos de verga pequeninos, próprios para o pão, recolheram um a um moedas soltas e uma ou duas notas de cinco euros. Era a parte de recolha de fundos que não foi anunciada – a não ser que a citação de “ver o mundo cada vez pior” fosse a palavra-passe para o tilintar das moedas.
Depois da recolha ficaram todos no fim da Igreja a segurar os cestinhos com muito enlevo até que foram pela passadeira vermelha na nave central entregar as moedas aos miúdos que estavam de mãos cruzadas sob o manto de mangas largas, e os miúdos agarram nos cestos e pousaram-nos no chão, junto aos pés do altar. Voltaram a fazer vénia ao padre e saíram. O trabalho deles, com a recolha dos fundos, ficava assim terminado. Tá bem!
Mais cantigas, muitas, e depois o padre disse qualquer coisa como “saudai-vos uns aos outros” e houve dois velhotes que me cumprimentaram delicadamente e uma senhora de idade que mal se podia mexer aviou de beijos uma boa meia dúzia de pessoas. Se calhar conhecia-as. Ou não! Deve ter sido naquela parte em que um homem cumprimentou o meu pai e ele, para não ficar mal visto, lhe disse “olá, como está? Tudo bem lá em casa?” Parece que não era preciso dizer isto.
Voltou a cantar-se muito. E foi o diácono que disse para as pessoas irem para casa ou para qualquer outro sítio. Nessa altura era mesmo palavra passe: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”!
Eu vim em paz! Mas que estranhei, estranhei!
O meu cunhado merecia muito mais!

Fui onde não queria e já cheguei


A perda de um amigo, de um irmão, de um companheiro, ausentou-me da escrita. Espero ter voltado