terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Fui à missa e não gostei (se calhar, não era para gostar)


Não quero falar muito neste assunto mas fui à missa para ouvir o sacerdote invocar que celebrava a eucaristia em memória de uma pessoa boa que saiu do meu convívio. O que a seguir se escreve não pretende ser jocoso. Antes verdadeiro.

Fui à missa e senti-me à margem

Já passavam das 18 quando o padre, um diácono e dois miúdos com não mais de 16 anos saíram de um dos lados da nave principal da Igreja. O espaço dos bancos corridos estava completo e as pessoas meteram-se todas de pé enquanto quatro, cinco vozes metalizadas num esforço de fiéis de mais de 50 anos, cantaram algo que a minha ignorância não soube acompanhar. Percebi, pela sucessão de acontecimentos – gente de pé, o padre a levar um crucifixo na mão, o diácono e os miúdos de mãos cruzadas e com um ar pesaroso e a olhar para o chão a caminho do altar – que esta era a mis en scéne que dava início à missa. Perdoe-se-me a comparação: era o pontapé de saída da celebração eucarística.
A partir daí foi uma sucessão de factos estranhos que, católico não praticante, ficam aquém daquilo que é o meu conhecimento de missas.
As quatro alminhas de mais de cinquenta anos, apenas uma delas homem, cantaram em falsete. E cantaram, e cantaram, e cantaram. Cantaram até ferir os ouvidos de quem, por não saber as letras, nunca acompanhou a cantilena. Quanto muito, conseguiu-se fazer aquele gesto mímico tão habitual quando se quer acompanhar uma qualquer cantoria: se a estrofe acabava em sensação, dizia-se “ão”, se era “crucificado” que terminava o verso, balbuciava-se “ado”, quando o coro dizia, em remate, “aos fiéis”, apenas um gesto vocal permitia ouvir “é-éis”.
É normal que assim seja. Não faz parte das obrigações de bom chefe de família temente a Deus, conhecer as músicas e as canções de cor.
As coisas complicam-se quando orações conhecidas desde miúdo são motivo para cantoria. “Pai Nosso…. Pai Nosso…. Que estais/ que estais noooooooooooo cééééééuuuuuuu!”. Assim! Com a repetição da primeira invocação, aqui primeiro verso da cantiga, o prolongamento à exaustão da palavra “no” e um grito a perder de vista, daqueles que feria os ouvidos e nunca mais acabava, quando se cantou o Céu. Ficou uma coisa esquisita e desafinada. E quem ali estava para rezar de forma corrida, “Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome….”, chegou ao fim da oração, à parte do “mas livrai-nos do mal” e ainda o quinteto estava a gritar com as veias do pescoço salientes para quem as quisesse ver a pedir para o Pai perdoar “as no-ó-oó-oó-sssaaaaaaaaas ofe-en-ensas”, com inflexões vocais que desatinavam.
Acabada de estragar a Oração Suprema, admito que pensei que as coisas se ficassem por ali. Mas não.
À minha frente, um puto não mais de ano e meio, espojava-se pelo chão e berrava a plenos pulmões. Às seis e meia da tarde devia estar a reclamar mama. Do lado de onde saiu o padre, o diácono e os dois miúdos – que passaram o tempo de mãos cruzadas sob um manto de mangas largas e que sempre que levantavam, viravam as costas para os fiéis e cumprimentavam o padre com uma vénia tipo chinês antes de combate de Muai-Tai – uma reguila para aí de quatro anos, ria, fugia ao pai, corria pela igreja, escondia-se entre a senhora ajoelhada e o homem com sinais evidentes de um AVC ou tremeliques de Parkinson.
Quando metade da Igreja se levantou para tomar a hóstia, com o pesar e o decoro da meditação que o corpo de Cristo justifica, um homem deixou o telemóvel tocar uma música parecida com o toque de chamada dos bois numa tourada e, discretamente carregou num botão que não terá sido o mais indicado uma vez que o toque terminou, é verdade, mas passou a ouvir-se um “tou!, tou!. E porque ninguém respondesse, o “tou!” era já de pessoa zangada, entretanto desligada pelo dono do telemóvel – que nunca o tirou do bolso.
Estava o padre a ler qualquer coisa sobre o facto de se “ver o mundo cada vez pior, pelas televisões, tv’s e internet” (foi assim que ele disse), algo que ele já tinha falado na semana anterior (também tinha por lá passado), e uma senhora e quatro senhores levantaram-se e com cestinhos de verga pequeninos, próprios para o pão, recolheram um a um moedas soltas e uma ou duas notas de cinco euros. Era a parte de recolha de fundos que não foi anunciada – a não ser que a citação de “ver o mundo cada vez pior” fosse a palavra-passe para o tilintar das moedas.
Depois da recolha ficaram todos no fim da Igreja a segurar os cestinhos com muito enlevo até que foram pela passadeira vermelha na nave central entregar as moedas aos miúdos que estavam de mãos cruzadas sob o manto de mangas largas, e os miúdos agarram nos cestos e pousaram-nos no chão, junto aos pés do altar. Voltaram a fazer vénia ao padre e saíram. O trabalho deles, com a recolha dos fundos, ficava assim terminado. Tá bem!
Mais cantigas, muitas, e depois o padre disse qualquer coisa como “saudai-vos uns aos outros” e houve dois velhotes que me cumprimentaram delicadamente e uma senhora de idade que mal se podia mexer aviou de beijos uma boa meia dúzia de pessoas. Se calhar conhecia-as. Ou não! Deve ter sido naquela parte em que um homem cumprimentou o meu pai e ele, para não ficar mal visto, lhe disse “olá, como está? Tudo bem lá em casa?” Parece que não era preciso dizer isto.
Voltou a cantar-se muito. E foi o diácono que disse para as pessoas irem para casa ou para qualquer outro sítio. Nessa altura era mesmo palavra passe: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”!
Eu vim em paz! Mas que estranhei, estranhei!
O meu cunhado merecia muito mais!

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