sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Plaquetas de Lã



Embora o Hospital Fernando Fonseca seja uma Babel bem sucedida, estou em crer que entre nós, muitos foram aqueles que na terça-feira deram um pulo na cadeira a cada golo de Cristiano Ronaldo, abriram a boca de espanto com o golaço de Nani e esboçaram um sorriso de orelha a orelha perante os remates vitoriosos dos habitualmente abstinentes Miguel Veloso e Hélder Postiga. E nem sequer reclamaram de Paulo Bento o facto de ter trocado o ala do Manchester pelo agora granadino Carlos Martins.
Hoje percebemos como foi magnânimo esse gesto do seleccionador português. Carlos Martins está a sofrer as dores de um pai cujo filho, de três anos, sofre de uma estúpida doença degenerativa que se caracteriza pela falência da medula óssea e dá pelo nome tonitruante de aplasia medular. A sua entrada em campo ter-lhe-à aliviado o espírito.  Ainda que o Carlos tenha rematado de uma forma atabalhoada para aquele que podia ter sido o sétimo golo da selecção, hoje ninguém se lembra desse erro. Hoje, preferimos todos recordar a fotografia que acompanha este texto e que foi, comme il faut, captada em pleno Estádio da Luz.


Contada a história do Carlos, o país uniu-se à volta da sua mágoa e está a ser desencadeada a maior onda de solidariedade para doação de medula que alguma vez foi feita em Portugal. A publicidade à volta do caso há-de fazer com que o Gustavo – assim se chama o puto reguila do Carlos Martins – ajude um boa parte dos que, como ele ou com outras doenças, necessitam de constantes transplantes de medula.
Não é exclusivo nosso, decerto, mas conseguimos – até nos momentos piores – mostrar essa excepcional capacidade de nos mobilizarmos em actos de solidariedade.
E o que tem tudo isto a ver connosco, Hospital Fernando Fonseca?
Tudo!
Há pouco mais de dois meses lançámos, no Fernando Fonseca, uma campanha de recolha de roupa para os casos sociais forçados, em momentos de alta, a sair do hospital vestidos com os nossos pijamas ou com roupas mal amanhadas e que seriam as que… estavam mais a jeito. A ideia era conseguir uma bolsa de roupa que pudesse garantir a todos os doentes que, caso necessitassem, teriam uma camisa, um pólo, um par de sapatos, um babygrow, um casaco de malha, algo suficiente para uma alta com dignidade. Puderam, a partir de então, sair pelo átrio principal e não escondidos no banco de trás do carro que os veio buscar. A eles e à nota de alta.
Pois bem. Em dois meses de campanha, chegaram ao gabinete de comunicação mais de três mil peças de roupa, ali levadas por médicos, enfermeiros, administrativos, auxiliares, dirigentes, administradores. Todos, de forma transversal ao hospital, abrangendo todas as classes profissionais do hospital, quiseram mostrar que os doentes, os nossos doentes, deveriam sair do hospital com a nota de alta, é verdade, mas barba feita, a cheirar a malvas e, vestidos com dignidade.
Hoje, quase que atingimos o limite de termos de dizer que já chega de roupa. Temos dado resposta a todas as solicitações e ainda possuímos, em armazém, peças suficientes para um ano de altas sociais entre os mais velhos (nisto de consumir dádivas de roupa, os mais pequenos são menos envergonhados e aproveitaram o momento).
Somos suficiente comedidos para não fazer grande alarde desta campanha solidária que trouxe frutos reais e… muita roupa. Mas somos suficientemente ambiciosos para não nos ficarmos por aqui. Resolvido este assunto, é hora de nos voltarmos para outro. Por exemplo, para aquele que iniciou este texto. O Gustavo e mais “mil gustavos” precisam de medula óssea.
Dizem que não custa nada. São plaquetas que não nos fazem falta. São de lã. É como a roupa…

2 comentários:

Lola disse...

E o comentário da colega Neurologista a olhar para um doente idoso, "eu conheço este casaco? e depois ...era do meu marido"

A solidariedade. As "plaquetas".

Unknown disse...

Podíamos fazer também uma campanha no hospital para todos possam ser dadores de medula óssea?!