domingo, 4 de dezembro de 2011

Hoje somos todos de Caxinas


Hoje somos todos caxineiros. É verdade que desde que soube que o Fábio Coentrão era de Caxinas que tinha um especial afecto pela zona. Recuperei-o depois de achar que aquilo era mal afamado por força de ter visto nascer Paulinho Santos e André, dois sarrafeiros dos blues nortenhos. Hoje, a afeição por Caxinas assumiu o pleno depois de ver os seis pescadores do lugar serem recuperados depois de andarem à deriva mais de 60 horas.
Duas noites numa balsa de borracha mal amanhada mas que lhes garantiu, tal o mal amanho da coberta vermelha, o salvamento pela tripulação do um heli da nossa Força Aérea. Gente grande. Uns e outros.
O pior medo que temos, os que estamos aqui, é que nos deixem sozinhos, sequiosos, sujos e com fome. Às vezes, quando a luz se apaga, cada um de nós que está aqui internado, com o sono demasiado leve por dormirmos tempo demais durante o dia, dá por si com medo de bichos ou pensa que está num barco à deriva. Por vergonha, quase nunca dizemos a verdade quando tocamos a campainha para que alguém venha ter connosco. Aqui ao meu lado, o meu parceiro de enfermaria costuma dizer a quem vem ao som da campainha que está afogueado – quando tem roupa a mais – ou que tem frio – quando o cobertor lhe caiu aos pés. Toca à campainha porque sim e porque não. Dá gosto falar de noite quando não se consegue dormir.
À deriva, os pescadores de Caxinas, tiveram a mesma ânsia que nós temos até vermos os resultados dos exames. Sem sabermos se vamos para melhor, arredando o mal que nos trouxe aqui, ou se vamos “desta para melhor” por o mal(dito) ter mais força. Os pescadores de Caxinas, conta o Pedro Coelho na SIC, mantiveram-se confiantes em Deus e Nossa Senhora de Fátima. Nós, aqui, ganhamos-lhe na fé: também acreditamos nos que tratam de nós todos os dias.
Aqui, ao contrário da balsa que o jornalista compara a uma tenda de campismo, ainda temos quem nos acuda a cada toque de campainha. E somos todos médicos uns dos outros. A cada queixa partilhada, há-de haver quem já tenha passado pelo mesmo e, ainda assim, se tenha safado. Ou, pelo menos há-de haver uma história parecida na família ou vizinhança.
Na família ou vizinhança
Não há queixa que se faça, no espaço comum da enfermaria, que não tenha resposta entendida.
- Oh amigo… deixe-se de desalentos! Uma vizinha minha entrou no hospital pior que você em dobro e passados quinze dias estava arribada e a desatinar a cabeça lá do pessoal de casa outra vez…
Os médicos e enfermeiros são os mestres da nossa balsa e não nos deixam à deriva… tal e qual José Manuel Coentrão, o mestre da Senhora do Sameiro de Vila do Conde. Conta-se que a dado momento, em maior desatino da cabeça de um dos seus pescadores, lhe espetou com dois socos e o amarrou para assentar…
É tal qual como aqui. Ainda ontem o parceiro da cama do fundo, daquela ao pé da janela, desarvorou num arrazoado de disparates, que o sogro – deus o tenha – o vinha buscar, que lhe tinham roubado as chaves do carro que e agora não podia sair, que a enfermeira lhe tinha posto uma coisa ruim na comida que ele bem sentira o amargo do chinelo de trança que o cuspira….
E continuava a cuspir enquanto se assomava à janela a gritar pelo carro e pelo sogro.
E veio a enfermeira a sério que o amarrou e se não lhe deu dois socos, bem que deveria ter dado que aquilo era um desatino de palavrões que alertou os vizinhos das enfermarias do lado…
Hoje, o nosso parceiro ainda está como o pescador. Nas palavras do jornalista, “ainda navega por águas revoltas”. Ainda não se lembrou nem lhe veio à ideia que o já o agarraram a preceito ao ponto de estar a salvo do sogro, da janela e do veneno. Lá, em Caxinas, foram os tripulantes da Força Aérea. Aqui, foi mesmo o médico interno que estava de serviço.
Hoje, ao vermos aquilo, com os homens a serem salvos e as mulheres a despirem o luto que já tinham antecipado, sentimo-nos todos caxineiros.


Sou do tempo em que o Nuno Silveira e o Carlos Barbosa eram os relações públicas da Força Aérea. Os melhores que passaram por Alfragide e que tomaram a peito a nobre tarefa de divulgar estes salvamentos da nossa FAP.
Mas isso era no tempo em que eu ainda andava de avião e não corria o risco de naufragar

1 comentário:

charlie bravo disse...

São estes homens e mulheres que fazem grande o nosso País. Sem temores, sem esperar um agradecimento, mas orgulhosos do dever cumprido, nunca esquecendo o lema daquela Esquadra "PARA QUE OUTROS VIVAM".