quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os que Deus protege e ainda não guarda



Estar internado ao feriado não tem graça nenhuma. Está bem…estar internado não tem graça. Ainda assim, hoje, há mais confusão à volta. Parece que as pessoas cumpriram o ritual dos dias em que não se trabalha: saíram pela manhã – sendo a manhã à volta do meio-dia -, foram ver as arribas do Cabo da Roca, seguiram sempre à beira-mar até à Boca do Inferno. Pelo caminho ainda simularam parar na Malveira da Serra – onde se come cozido aos feriados. Ouviram na rádio que 2012 vai ser um ano ainda pior – coisa que não se percebe – e estranharam que com tanto anúncio de crise, de tanta falta de dinheiro, os parques de estacionamento dos restaurantes do Guincho, aqueles onde se come com as mãos, estejam enxameados de carros de todas as marcas...caras. Todo o percurso foi feito com a intenção firme de não ultrapassar os 60 quilómetros/hora para ver se se consegue cumprir o teste do consumo da marca e não passar dos cinco litros aos 100, se bem que amanhã o carro volte a ficar arrumado na garagem estrela, que é aquela que serve o bairro. Com a poupança do combustível e com a resistência à paragem na Malveira da Serra e no Guincho vai-se ao centro comercial, ao cemitério,

 Deus os guarde,

 e ao hospital,

Deus os proteja.

O pessoal aqui da enfermaria está ainda todo na classe da protecção.

A única graça de podermos estar internados ao feriado, neste feriado, é que subvertemos a história. Em 1640 os quarenta  conjurados colocaram os espanhóis de gatas, atiraram o Miguel de Vasconcelos janela fora e tomaram conta das contas da casa. Diz-se que o fizeram porque os burgueses de então estavam a ficar na miséria e os nobres menos ricos. A história repete-se.

Com os que Deus protege e ainda não guarda.

 Aqui, hoje, duas enfermeiras espanholas já me mudaram o cateter, mandaram-me pôr de bruços, palmatearam-me as nádegas para uma injecção a preceito que dói que se farta mas que dizem que é preciso levar às terças, quintas e sábados e, como se não bastasse a submissão que subverte a história, uma médica que pela cor não parece espanhola mas habla como ellos, soube dizer-me que tenho de arrebitar a moral e pôr-me ao fresco quanto antes que agora a minha doença já é da mona e não do corpo como antes parecia que era.

Face a isto, faz bem quem decide acabar com este feriado da Restauração. Para quem aqui tem passado os últimos tempos, confinado ao espaço que está disponível, um conjunto de elevadores em cada extremo do corredor central, quatro casas de banho, umas vinte enfermarias, salas de médicos, dois gabinetes onde estão enfermeiros e enfermeiras, uma sala de sujos (que é onde alguns de nós devíamos de estar de vez em quando), a alegria de ouvir espanhóis alarga-nos os sonhos e faz-nos lembrar os tempos bons. Os tempos em que já não se precisa de trazer caramelos de Badajoz às escondidas mas em que se pode inspirar a indignação contra esta Europa esquisita nos jovenes da Puerta del Sol. Ou seja: com os espanhóis a dar-me palmadas no rabo e injecções, a tratar de mim e a pôr-me bom da tripa e da mona, a dar o mimo das palavras quando as visitas não têm feriado e por isso não aparecem, a história da defenestração do Miguel Vasconcelos não merece a honras do feriado. Embora seja ao feriado que a malta nos vem ver.

Os que Deus protege e ainda não guarda.

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