quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Morder onde mais dói

Há alguma razão objectiva para que as doenças mordam onde mais dói? É como se cada mal, daqueles que ocupam e preocupam, tivesse um método de rigoroso para fazer mossa a sério. Uma gripe num futebolista? Não! Isso é lá maleita para futebolista. Um estiramento muscular, isso sim… Pé de atleta num escriba? Não querem lá ver… vamos dar-lhe um acidente vascular cerebral para ver se fica tolhidinho dos membros que teclam e marado da cabeça a ponto de não dizer coisa com coisa. E por aí adiante: uma afonia a um cantor, uma dislexia a um tribuno, uma infecção na boca a um pivot de televisão, um cancro a…
Um cancro a…
Eh lá! Parece que este não escolhe. É estapafúrdio e leva a eito.
Um médico, daqueles amigos que todos os dias dá em operar bichos, alguns deles bem badalhocos que cuspiram gafanhotos para além do espaço onde nasceram, explicou-me há dias que o cancro hoje, é detectável com mais frequência porque as pessoas duram mais. Assim… Como é uma doença que aparece tarde, é detectada. Antes as pessoas morriam mais cedo. O cancro não tinha tempo de apanhá-las.
Se é assim, está bem.
Se fosse assim estava bem.
Um gajo agarra-se à ideia de que “é uma doença que aparece tarde” e ganha alento para pensar que foge dela. O mal é que à volta, ma mão já não chega para contar os amigos perdidos depois de embalados pela doença que era suposto chegar tarde e que, afinal, chegou à hora do lanche. Numa altura em que ainda sobrava tempo e engenho para curtir e gozar o dealbar do dia com os olhares de velho.
O maldito chegou sem ser convidado, de mansinho, disfarçado de incómodo.
- Estás com uma voz estranha!
- Estou? Não é nada! Estou rouco.
Já o bicho se instalou na laringe para jogar ás escondidas com as cordas vocais.
- Estou empanturrada. Sempre que como ovos fico assim…
Pois, pois! Empanturrada… o bicho já se lhe assomou ao estômago dando-lhe o fastio dos fartos.
- Sempre que faço força parece que sinto uma bola a saltar pela virilha. Malvada hérnia…
Antes fosse – que aquilo é corte de mão travessa, linha de cozer, jeito e um pedaço de rede de malha proibida para a pesca, e a hérnia está amanhada e a tripa calcada no sítio onde deve estar. Já o cabeçudo já desliza pelos intestinos como se lhes tivesse tomado conta sem dar conta.
O cabrão do cancro é democrático, vai a todos, não escolhe os que morde nem trinca onde mais dói, mas nem por isso deixa de ser cobarde. E parvo. Aparece sem ser convidado, a desoras, pé ante pé antes que se lhe esparrame as fuças quando ele se prepara para crescer.

À minha amiga apareceu na mama. Que é sítio onde o tino se perde e onde ainda se pode balbuciar um gu-gu-dá-dá porque dá gosto crescer apegado ao mamilo.
Ao meu amigo apareceu no estômago. Que é sítio que paga as perdidas do tino.
Como se a cabeça não tivesse juízo.
Embora isso não interesse para nada ao parvalhão que me leva os amigos.

1 comentário:

Paulo Barbosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.